Home » Artigos » Bens Quilombolas Materias e Imateriais » Quilombo do Ambrósio – Onde ficava?

Quilombo do Ambrósio – Onde ficava?

Artigo publicado pelo advogado e historiador Tarcísio José Martins em 1999 e atualizado em 2002, 2013 e 08.08.2022

 

Os pesquisadores que até hoje trataram do assunto sempre afirmaram que o famoso Quilombo do Ambrósio existiu em um único local, hoje compreendido na região do município de Ibiá-MG.

Pesquisei o tema durante muitos anos e, em 1995, publiquei o livro intitulado “Quilombo do Campo Grande – A História de Minas Roubada do Povo”.

Descobri, entre muitos outros fatos inéditos, que o Quilombo do Ambrósio, na verdade, esteve localizado em dois sítios distintos, a saber: a) até 1746, sob o nome de “Primeira Povoação do Ambrósio, localizava-se em território hoje compreendido nos municípios de Formiga e Cristais-MG, onde apenas o seu Palanque (Formiga-MG) foi atacado, mas não destruído o Quilombo, pela bandeira do capitão-governador Antônio João de Oliveira; b) somente depois de 1746 é que o Quilombo do Ambrósio teria se mudado para o território do município de Ibiá, onde foi atacado e destruído no ano de 1759 pela expedição do governador-comandante, capitão  Bartolomeu Bueno do Prado que, na verdade, o encontrou despejado, vazio. Portanto nunca houve batalhas contra esse Segundo Quilombo do Ambrósio, o de Ibiá. Portanto, para responder a pergunta “Quilombo do Ambrósio, onde ficava?” é preciso mencionar em que ano ou período do século XVIII.

O jornal Estado de Minas publicou, em seu caderno “Gerais/Patrimônio” de 07.03.99, matéria intitulada “Herança de Minas para o Brasil”, confirmando a presença da famosa Capital do Campo Grande no município de Ibiá através dos seguintes subtítulos: “Estado vai ter o primeiro quilombo tombado do País”; “Estratégia para escolher a região”; “Tempo reacende as lendas”; “Cidade quer fomentar o turismo” e “Mil negros viviam na comunidade”. Transcrevo abaixo parte do texto do primeiro subtítulo:

Uma história de resistência à escravidão, soterrada em 1746 [[1]], começa a ser resgatada e está a um passo de se tornar patrimônio histórico nacional. Quilombo do Ambrósio, uma das mais importantes comunidades negras de Minas, esquecida num povoado distante a 30 quilômetros de Ibiá, no Alto Paranaíba, ganhará reconhecimento oficial e efetivo. Trata-se de um riquíssimo legado para se entender a experiência dos quilombos nas Gerais do princípio do Século XVIII.”

Só para refrescar a memória, no último Carnaval, no Rio de Janeiro, a Escola de Samba “Beija Flor” mostrou no seu belo desfile em homenagem a Araxá um pouco do quilombo. Ibiá já pertenceu a Araxá de onde emancipou-se em 1923.

No dia 20, arqueólogos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) retomam os trabalhos de limpeza do terreno (1,5 hectares no conjunto da Serra da Canastra) para escavar o local onde foram encontrados resquícios da fixação do núcleo. (…).

As primeiras reminiscências do Quilombo do Ambrósio (…) foram encontradas em 1989[[2]], início das escavações, quando começaram os estudos acerca da comunidade. No processo 1.428-T-98, aberto pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) para o tombamento e definição da área do sítio arqueológico, foi delimitada uma circunferência de 80 metros em torno de onde se instalou o quilombo.

Nos primeiros trabalhos realizados foram encontrados resquícios essenciais para atestar a existência do Quilombo do Ambrósio, como vasos cerâmicos misturados a blocos de barros das paredes das casas, um cachimbo europeu e bainha de uma faca. No lugar já delimitado para as escavações, foi investigada só uma das casas e as pesquisas devem ser estendidas ainda por vários anos.

Mais de 200 anos após a destruição, resquícios alimentares foram encontrados: 433 sementes diversas e espigas de milho que, embora carbonizadas, encontram-se em excelente estado de conservação. Todo o material está no Arquivo Público Mineiro[3].

O velho jornal mineiro teve como fontes os informes de um pretenso pesquisador da UFMG, Carlos Magno Guimarães e de políticos de Ibiá (Anderson Faria ou Anderson Henrique?) que, querendo fomentar o turismo da região, haviam requerido ao IPHAN o tombamento do suposto sítio histórico.

A fonte principal do pesquisador da UFMG, eleita por ele como guia de interpretação dos documentos oficiais, como é sabido, é o artigo intitulado QUILOMBOLAS – Lenda Mineira Inédita”, mero folhetim sem qualquer fidedignidade, assinado pelo jornalista e contista Carmo Gama (Joaquim do Carmo Gama), publicado na Revista do APM de 1904, sob a direção de Antônio Augusto de Lima [[4]]. Aliás, como poderia, uma lenda ser inédita? Firmou-se também no croqui ou planta juntada por Inácio Correia Pamplona em seu relatório de 1769 ao conde de Valadares.

Observação: Em 2011, publicamos o livro “Quilombo do Campo Grande: Ladrões da História”, provando documentalmente que Inácio correia Pamplona foi um dos maiores mentirosos que houve na Capitania de Minas Gerais, onde, apesar de ter contratado bons cartógrafos, seus relatos, em geral, são falsos, pois mentiu e distorceu fatos para criar factoides que permitissem a falsa alegação de que o Triângulo era mineiro e não Goiano.

Assim, a reportagem foi levada a ignorar a existência da Primeira Povoação do Ambrósio (Cristais-MG) e, sem estabelecer qualquer nexo lógico entre os documentos e premissas acima citados, “localizou”, com base nas erradas informações de Carlos Magno Guimarães, os fatos e a batalha de 1746 como se tivessem ocorrido em Ibiá-MG. Além disto, omitiu os fatos de 1759/1760, relativos à última guerra ao Campo Grande, estes sim, ocorridos na região de Ibiá-MG [[5]], onde na verdade, nunca houve batalha alguma, pois esse Segundo Quilombo do Ambrósio foi encontrado em 1º de setembro de 1759, evacuado, ou seja, vazio.

Existem, na verdade, QUATRO locais na região de Ibiá com indícios que poderiam levar à localização do SEGUNDO quilombo do Ambrósio, em seu território: 1) “Quilombo do Ambrósio”, localizado próximo a uma das  nascentes do Ribeirão da Misericórdia (hoje a forquilha nascente do Ribeirão do quilombo), já em território da atual Ibiá, conforme mapa do capitão Antônio Francisco França; 2) “Quilombo do Ambrósio” (este é o da reportagem) localizado  na margem esquerda da nascente idem do ribeirão do Quilombo, em território limítrofe entre Ibiá e Campos Altos, este, indicado por Inácio Correia Pamplona; 3) Alto do Quilombo, em Ibiá, norte dos supracitados [[6]];  4) Quilombo da Samambaia, também em Ibiá, sudoeste dos dois últimos. Comprovando todas essas afirmações, veja o verdadeiro território do Segundo Quilombo do Ambrósio em nosso posterior artigo “QUILOMBO DO AMBRÓSIO 1759 – CAMPOS ALTOS e IBIÁ, MG”.

O tal pesquisador da UFMG, na verdade, vinha furando buracos (escavações) no quilombo de Campos Altos, desde 1978, tendo, inclusive, cadastrado naquela época suas pesquisas no IPHAN sob o registro MG-PA-1, como constava do “site” do IPHAN. Mas como de vez em quando tirava essa página do ar, nós a disponibilizamos no MGQUILOMBO. É só CLICAR AQUI e conferir.

Depois, utilizando-se do mesmo registro supra, talvez mudando-lhe o histórico (!), o pesquisador voltou a esburacar a mesma Ferradura do suposto Ambrósio de Pamplona, o da reportagem. Em meu livro, publicado em 1995, acusei os danos (por mim documentados em 1992) que haviam sido causados a este último sítio histórico, QUE NA VERDADE é contíguo, vizinho, do de Campos Altos, compondo, ambos, um só sítio. O problema é que o Ambrósio atacado em 1746 ficava na região de Formiga e Cristais e não em Ibiá ou em Campos Altos.

Esse pretenso pesquisador da UFMG, segundo consta, graças a esses trabalhos, teria sido agraciado com os títulos de Mestre, pela UFMG, e de Doutor, pela USP. Aliás, as faculdades de História e Sociologia destas duas universidades, ao invés de fazer ciência, fazem má política, agraciando reciprocamente, uma a alunos da outra, com títulos de mestres, doutores e outras falsas honrarias.

O IPHAN, envolvido na reportagem do Estado de Minas, autuou o “novo” processo sob o número 1.428-T-98 e, na verdade, apenas passou a estudar o assunto, sem nada deferir ao pedido dos requerentes mencionados.

Em 15.01.2000, recebi e-mail de Adler Homero, pretenso historiador do IPHAN que, vendo meu site na Internet, quis conhecer meu livro. Mandei-lhe um exemplar e ele acabou enviando-me cópias dos pareceres, laudos e outros documentos do processo, pedindo meus comentários.

Enviei volumosas correspondências, inclusive via correio, ao técnico-historiador do IPHAN, onde pontuei o grande equívoco em que incorreria, caso deferisse o tombamento daquele sítio de Ibiá, tendo como base somente a documentação e os fatos ocorridos nos anos de 1745/1746, ocasião em que a Primeira Povoação do Ambrósio (que ficava em Formiga e Cristais) é que, realmente, fora atacada pelas tropas do capitão-comandante Antônio João de Oliveira, senão vejamos.

Primeiramente, façamos uma exegese aos principais Fatos e Documentos oficiais da Guerra de 1746, conforme segue.

Carta escrita, de Vila Rica, pelo governador Gomes Freire de Andrada ao seu desafeto pessoal, Dom Luiz Mascarenhas, governador da Capitania de São Paulo [[7]], em 06.04.1745, destacando-se a frase “Eu também tenho infestado o caminho de São João a Goyaz com um quilombo/segundo dizem/de mais de seis centos negros armados; (…)“[[8]].

A expressão acima negritada NÃO pode ser confundida com “a estrada que ia de Minas Gerais para Goiás“, que era outra. O “caminho de São João a Goyaz” acima citado NÃO passava por Ibiá, pois Ibiá, na época, já ERA Goiás; já ESTAVA dentro de Goiás que ainda NÃO era capitania, mas Comarca da Capitania de São Paulo, cujo governador era o destinatário da própria carta em análise. Veja-se, outra vez, a total falta de conhecimento técnico dos pretensos historiadores citados [[9]]. Ora, basta ver os antigos mapas da Capitania das Minas Gerais existentes no próprio APM, onde se vê que, até 1816, não tinham o “nariz”, porque o Triângulo, até então, sempre pertenceu a Goiás.

Sobre isto, “querendo” que o Ambrósio de 1746 ficasse mesmo em Ibiá, Almeida Barbosa ilustrou que “o preso Domingos Jácome Gonçalves, depondo em 1798, declarou que foi achar o capitão Isidoro no Quilombo do Ambrósio que é muito adiante do Bambuí, na Capitania de Goiás“. Negros e Quilombos em Minas Gerais, pp. 45/35, citando “documentos avulsos do APM”.

Realmente, não quis se aperceber, o tendencioso prof. Waldemar, de que o “caminho” de que falou Gomes Freire passava isto sim, nas proximidades de Cristais; mais precisamente entre os territórios dos atuais municípios de Tamanduá/Formiga e Cristais, com destino ao Desemboque, sem seguimento direto para Vila Boa[[10]].

Carta escrita, de Vila Rica, pelo governador Gomes Freire de Andrada ao capitão-governador das tropas expedidas ao Campo Grande, João Antônio de Oliveira, informando-o e instruindo os preparativos finais para a partida das tropas, em 01.06.1746, destacando-se os trechos [[11]] a seguir:

“(…) mandei três oficiais de guerra às Freguesias dos Carijós (Conselheiro Lafaiete), Congonhas, Ouro Branco e Prados, para que delas tirassem e pusessem em marcha duzentos homens armados e, ao capitão-mor da Vila de São João del-Rei, ordenei tirasse daquela Vila e suas vizinhanças sessenta homens armados, que acompanhassem outros sessenta que o capitão Vicente da Costa Chaves tem incumbência de aprontar”.

Essas freguesias ficavam ao sul de Ouro Preto, destacando a região formada por Congonhas, Ouro Branco e Conselheiro Lafaiete e, já chegando em São José (Tiradentes) e, limítrofe a São João, o atual município de Prados.

“(…) e que todos esses destacamentos estivessem no dia 9 de julho, no Sítio dos Curtumes, adiante da Ponte Alta, onde o dito capitão Vicente da Costa há de pôr ao mesmo tempo todas as munições de guerra e de boca, que mandei juntar em sua casa e distrito, (…)”.

Apesar de existirem três ou quatro toponímias com esse nome em toda a Minas Gerais, constatamos que a mais provável, seguida da toponímia “Cortume”, mais próxima da indicação do Mapa de José Joaquim da Rocha: Essa Ponte Alta situa-se na divisa do nordeste de Ritápolis com o leste do sul de Resende Costa, havendo, no extremo norte de Ritápolis, divisa com o sudoeste de Resende Costa, um córrego com o nome de “do Curtume”, a única mais compatível com a indicação de “adiante da Ponte Alta” dada por Gomes Freire que escrevia de Vila Rica para São João del-Rei.

Carta escrita de Vila Rica pelo governador Gomes Freire de Andrada, ao capitão-mor da Vila de São João del-Rei, Manoel da Costa Gouveia, em 27.07.1746, ordenando-lhe que recrute mais tropas no Brumado e em Sta. Rita, encaminhando-as sem falta, até (sic) 08.07.1746, ao “Sítio dos curtumes, adiante da Ponte Alta, a onde acharão o capitão Antônio João de Oliveira (sic), cujas ordens seguirão para a execução de uma diligência mui importante ao serviço de Sua Majestade (…) “[[12]].

Como se vê, as tropas recrutadas em Congonhas, Ouro Branco, Conselheiro Lafaiete, Prados, Entre Rios de Minas e São Brás do Suaçuí foram reunidas no intermediário Sítio dos Curtumes, hoje, município de Casa Grande, ou, mais provavelmente, no sudoeste do atual município de Resende Costa, para, dali, partirem para a guerra contra os Quilombos.

Carta escrita, de Vila Rica, pelo governador Gomes Freire de Andrada, ao próprio REI, em 08.08.1746[[13]], onde se destacam os trechos comentados a seguir. Essa carta teria sido enviada para Portugal, somente em 19.04.1747; aliás, esta é a data mencionada por Xavier da Veiga, gerando muitas desinformações. Nenhum outro documento eu encontrara, até então, nos Manuscritos mineiros do AHU e, mesmo desta, só existe um fragmento (pedaço) do documento, Verbete n. 4022, Cx. 49, Doc. 27, CD 15 enviado somente em 19.04.1747. Prossigamos:

Senhor: Mais há de vinte anos que, em distância da Comarca de São João del-Rei para a parte chamada de Campo Grande, entre a dita comarca e a de Goiás, principiou a formar-se um troço de negros a que vulgarmente chamam quilombo e, a anos, se tem aumentado; (…)”. Como se vê, salvo melhor interpretação, NÃO há como entender que o governador pudesse estar se referindo à região de Ibiá que, então, se situava DENTRO da Comarca de Goiás, à época pertencente à Capitania de São Paulo, a menos que o historiador não conheça a História político-geográfica da Capitania das Minas Gerais.

“(…) resolvi castigar esta coleção de bárbaros e, com os ouvidores de Vila Real e São João, ajustei, depois de ouvidos os homens mais capazes e inteligentes, formar um corpo de quatrocentos homens e, dando-lhe munições de guerra e de boca, os mandei com cabos inteligentes destruir não só este maior quilombo, mas outros menores que se sabe conservarem-se em diferentes partes, (…) pus em marcha a dita tropa, com o regulamento que entendi próprio para sua conservação e bom efeito da expedição; não falta quem afirme que os negros hão de opor-se a disputar o sucesso, fiados no número, mas o meu discurso está firme em que, esperando eles, ou na trincheira ou no campo, serão destruídos, pois um corpo de flechas não tem partido com outro, que ataca com armas de fogo e parte da tropa coberta de couro cru, que defende o tiro de flecha, e outra parte armada de baioneta (…)”

Como é evidente no texto acima, Gomes Freire sabia precisamente ONDE é que se localizavam os quilombos que mandara o Capitão Antônio João de Oliveira atacar. E sabia mesmo; sabia até a distância que as tropas teriam que percorrer: “(…) Como se fazia preciso que a tropa marchasse mais de cinquenta léguas até fim de setembro, não espero certeza do efeito da expedição (…)“.

Ora, considerando a medida de 6.600 metros da légua de sesmaria utilizada na época, segundo cálculo baseado no Guia da Revista Quatro Rodas, a distância entre o atual município de Casa Grande e o de Ibiá totalizaria cerca de 498 quilômetros, ou sejam, 75,45 léguas. Caso as tropas tivessem ido atacar o Ambrósio de Ibiá, Gomes Freire, que era muito exato na geografia, não incorreria nesse enorme subdimensionamento de informar, ainda mais ao REI, de que se fazia preciso que a tropa marchasse somente “mais de 50 léguas”. Portanto, é evidente que a guerra de 1746 NÃO ocorreu no cenário de Ibiá [[14]].

Vejamos, agora, carta escrita, de Vila Rica, pelo governador Gomes Freire de Andrada, ao próprio REI, em 06.10.1746[[15]], onde se destacam os trechos comentados a seguir.

(…) recebi carta do comandante do dito Corpo, e me dá parte de haver atacado um pequeno quilombo de cento e tantos negros, que se defenderam no Palanque com resolução grande, mais de 24 horas, de sorte que foi preciso atacá-los com fogo, e dar um terceiro assalto para render uma forma de trincheira a que se recolheram depois de destruído o primeiro Palanque, ficando vinte e tantos mortos, sessenta e tantos presos e um grande número de negras; e que saíram feridos quinze pessoas da tropa, com a qual marchava a atacar os mais quilombos de que tinha notícia; (…)”.

O ataque a esse PEQUENO quilombo durou mais de vinte e quatro horas. Gomes Freire, antes do ataque a esse pequeno quilombo, como se viu, já sabia que os negros tinham “Palanques” e “trincheiras” e iriam enfrentar as tropas nesse local: “(…) meu discurso está firme em que, esperando eles, ou na trincheira ou no campo, serão destruídos, pois um corpo de flechas não tem partido com outro, que ataca com armas de fogo e parte da tropa coberta de couro cru, que defende o tiro de flecha, e outra parte armada de baioneta. (…)” [[16]].

Que local seria este? Gomes Freire, na mesma carta supra, prometeu ao Rei que, daí em diante, “(…) o que suceder porei na presença de Vossa Majestade, que mandará o que for servido. (…)”.

Depois disso, Gomes Freire nada mais informou ao Rei.

Aliás, a ÚNICA carta sobre esta batalha que encontráramos no AHU foi a de 08.08.1746, Verbete n. 4022, Cx. 49, Doc. 27, CD 15, na verdade enviada somente em 19.04.1747.

Uma coisa é certa: o local destas batalhas NÃO pode ser o Ambrósio de Ibiá porque A) a distância que a tropa teria que percorrer até lá seria de 75,45 léguas e não aquela anteriormente informada por Gomes Freire ao Rei, de que “se fazia preciso que a tropa marchasse mais de cinquenta léguas” [[17]]. B) Além do mais, este quilombo, o do Palanque, como escreveu Gomes Freire, era apenas “um pequeno quilombo de cento e tantos negros” e não o Quilombo GRANDE a que tantas vezes se referiu, a exemplo de “mandei com cabos inteligentes destruir não só este maior quilombo, mas outros menores, que se sabe conservarem-se em diferentes partes“ [[18]].

As notícias do ataque ao Quilombo Grande, o do Ambrósio, vêm de um único documento, fonte de segunda: a mentirosa “Carta da Câmara de Tamanduá à rainha Maria 1ª acerca dos limites de Minas-Gerais com Goiás, datada de 20 de julho de 1793[[19]], de onde se destaca o trecho a seguir.

(…) pela ordem de primeiro de julho e Bando do primeiro de julho de mil, setecentos e quarenta e seis, determinou um esquadrão de dez companhias com perto de trinta homens cada uma e, por chefe, o capitão da cavalaria auxiliar Antônio João de Oliveira e, para bastimento e munições e armas e mais postos militares, subsidiaram com setecentos e cinquenta mil reis as Câmaras de Villa Rica, Sabará, São João del-Rei e São José, marchando com fieis guias e esquadrão e o capitão Manoel de Souza Portugal, acometeram ao grande quilombo do Ambrósio e, depois de  sete horas de um vigoroso combate e violento fogo, com morte do dito Ambrósio intitulado Rei e de outros muitos se renderam, ficando prisioneiros cento e vinte com vários negros e crias que se batizaram de dez e de doze anos e mais anos, de cuja conquista o dito Excelentíssimo General apresentou na Secretaria do Estado dos negócios do Reino e Ultramar duas cartas Tipográficas (topográficas, erro de transcrição da Revista do APM)“[[20]].

Observação: Em 2017, publicamos pela Comissão da Verdade da Escravidão Negra da OAB-MG, o livro “Roubando a História, matando a Tradição: Carta da Câmara da Vila de Tamanduá à Rainha – 1793”, provando que esse documento é 100% ideologicamente FALSO. O Rei Ambrósio só morreria em combate em 7 de setembro de 1759, no Quilombo da Pernaíba.

Constatamos que a referência a uma tal carta “tipográfica” na citada publicação da Revista do APM foi um erro de transcrição ortográfica: o correto é carta “topográfica”, ou seja, são os mapas topográficos entregues por Bartolomeu Bueno do Prado ao governador em dezembro de 1760, desenhados pelo capitão Antônio Francisco França.

Por essa e outras provas documentais, afirmei em meu livro “Quilombo do Campo Grande: A História de Minas Roubada do Povo”, que esse primeiro fato se deu em Formiga e, o segundo, caso tivesse ocorrido, seria em Cristais, tendo como base, também, os seguintes fatos e documentos:

MAPA DE TODO O CAMPO GRANDE, TANTO DA PARTE DA CONQUISTA, QUE PARTE COM A CAMPANHA DO RIO VERDE, E SÃO PAULO, COMO DE PIHUI, CABECEIRAS DO RIO DE SÃO FRANCISCO E GOIASES“ [[21]], desenhado pelo capitão Antônio Francisco França, encontrado na Coleção da Família Almeida Prado, acervo do Instituto de Estudos Brasileiros, da USP [[22]], aponta a existência dos dois núcleos: Um, apontado como “Quilombo do Ambrósio, despovoado”, e, outro, apontado como “Primeira Povoação do Ambrósio, Despovoada” [[23]].

Indicações do próprio mapa confirmam que: a) o “Quilombo do Ambrósio”, o segundo do Ambrósio, se localizava em um dos quatro pontos retro mencionados na região de Ibiá; b) a “Primeira Povoação do Ambrósio”, o Primeiro Quilombo do Ambrósio, atacado em 1746, sem a menor sombra de dúvida, localizava-se em território do atual município de Cristais [[24]].

Enterrando de vez a mentira dos reinóis da Câmara do Tamanduá, lembremonos de que, ao final de sua mesma carta de 6 de outubro de 1746 ao Rei, Gomes Freire o informara de que, depois de ter atacado o Palanque, a tropa do capitão Oliveira “marchava a atacar os mais quilombos de que tinha notícia” e garantiu ao Rei de que,o que suceder porei na real presença de Vossa Majestade (ou seja, escreverei, darei notícia), que mandará o que for servido[25].

Como Gomes Freire nada mais informou sobre a continuidade desse ataque, o Rei o cobrou em 6 de maio de 1747:  “Gomes Freire () se viram as duas cartas, de oito de agosto e seis de outubro do ano passado que me escrevestes, sobre as disposições que aplicastes para serem destruídos os quilombos dos negros que têm cometido tantos roubos e mortes, mandando um corpo de quatrocentos homens com munições de guerra e boca a castigálos e da notícia que vos dera o comando dele, de haver atacado um pequeno quilombo de cento e tantos negros, os quais, defendendose, fora preciso darlhes três assaltos com fogo em que ficaram vinte e tantos mortos e sessenta e tantos presos e grande número  de negras; e que marchava o mesmo cabo a atacar os mais quilombos de que tinha notícia e, vista esta matéria em que foi ouvido o procurador de minha Fazenda, lhe pareceu dizervos que pareceram acertadas todas as providências que tendes dado neste particular; e do mais que resultar me dareis conta[26]. Ou seja, me dê conta do que aconteceu depois do Palanque.

Gomes Freire respondeu no rodapé da própria carta do Rei e a remeteu de volta a Portugal em 3 de outubro de 1747, com a seguinte informação:

A resulta de se atacar o quilombo de que a Vossa Majestade dei conta foi refugiaremse separadamente os negros que ficaram, sem que até o presente haja certeza de outro ajuntamento na Comarca do Rio das Mortes, pois, com a notícia desta invasão, se desfizeram alguns que havia de menos consideração, recolhendose a casa de seus senhores. Esse mesmo texto foi registrado nos livros da Capitania de Minas Gerais[27]. Como se vê não houve o tal ataque ao Quilombo do Ambrósio em 1746, muito menos em Ibiá, que ficava na então, Comarca de Goiás da Capitania de São Paulo e não na Comarca do Rio das Mortes como mentiu também aí, a famigerada Carta da Câmara de Tamanduá à Rainha em 1793, ou, se houve algum ataque, as tropas do capitão Antônio João de Oliveira podem ter sido derrotadas.

Vejamos ainda outras Provas Documentais mais específicas e confirmadoras.

Livro de registro de terras da Igreja, da Capela de Nossa Senhora da Ajuda dos Cristais, Livro TP-39 do Arquivo Público Mineiro, destacando-se os registros de 1856, consignados às fls. 118v; 165; 167; 191; 193v/194; 197; 197v/198; 198; 206; 212; 212v; 223v; e 241 [[28]].

Registro de Óbito: “Jerônima Fernandes de Carvalho diz em seu testamento ‘ser natural de Itaubira do Campo, casada com José Cordeiro Coutinho, não tendo filhos”. Lavrado na Fazenda do Quilombo do Ambrósio, Aplicação Nossa Senhora das Candeias, ano de 1795. Jerônima faleceu em “sua fazenda chamada do Ambrósio”, aos 05.04.1799 – Cúria Diocesana de Divinópolis, Livro 128 de Óbitos. Nota: Antes da criação da Capela de Nossa Senhora da Ajuda dos Cristais, todo o território compreendido entre os rios Grande, Lambari e Jacaré pertencia à Capela de Nossa Senhora das Candeias” [[29]].

Citação de Leopoldo Correia, erudito pesquisador, no seu livro Achegas à História do Oeste de Minas, do trecho de um testamento, para concluir que o Quilombo do Ambrósio situava-se nas imediações de Formiga: “Saibam todos quantos este instrumento de testamento virem que, sendo no ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de 1814, aos 13 dias do mês de abril do dito ano, nesta fazenda do Quilombo do Ambrósio, na Aplicação de Nossa Senhora da Ajuda dos Cristais, comarca do Rio das Mortes…”[[30]].

Segundo Waldemar de Almeida Barbosa, em falsa contestação ao colega Leopoldo Correia, a Fazenda de Constantino Barbosa da Silva estava situada “entre o rio Lambari, afluente do Rio Grande e o Rio Jacaré”. No auto da medição da referida sesmaria lê-se: ‘Aos trinta de maio de 1766, nesta paragem chamada Quilombo do Ambrósio” [[31]].

Almeida Barbosa quis confundir o sobrenome do homem, como se fosse “da Silva”. Ora, trata-se de Constantino Barbosa da CUNHA, companheiro de Diogo Bueno da Fonseca e de Bartolomeu Bueno do Prado na expedição contra o Quilombo do Cascalho em 1760. Assinou todas as atas da Guardamoria de Carrancas junto com os demais, das quais, um pedaço de texto integrou a orelha do Mapa de “Todo o Campo Grande”, dando-lhe, pois, total fidedignidade. Constantino deve ter comprado os direitos desta Sesmaria de Antônio João de Oliveira[32] e/ou de Diogo Bueno do Prado, que foram os primeiros sesmeiros desta Sesmaria do Quilombo do Ambrósio. A carta de sesmaria de Constantino, assinada pelo governador Luiz Diogo, é de maio de 1765. O processo judicial de medição e demarcação dessa sesmaria ocorreu dentro do território da atual Cristais-MG, em abril de 1766. Não faz mera referência do tipo “quilombo do Ambrósio adentro”. Não! AFIRMA com todas as letras que aquele local se chamava Quilombo do Ambrósio. As sesmarias de Pamplona são posteriores e não se conhecem suas demarcações judiciais. Pamplona sempre forçou o deslocamento das trincheiras de 1746 para dentro do Triângulo Goiano, pois foi contratado para continuar o projeto de esbulhar, agora da Capitania de Goiás, o atual Triângulo Mineiro.

Tradição e Oralidade – confirmação: “Lembro-me da Fazenda do Quilombo com suas 40 janelas; belo casarão com seus varandões e mais quantidades de cômodos. Um dos pretos que ali trabalhava, isto no ano de 1934, por coincidência chamava-se Ambrósio e contava a meu pai que seu avô falava muito de uma guerra que houve ali e que o governo mandou matar muito negro. O avô desse Ambrósio teria ouvido essa história através de seus antepassados”. Referindo-se ao meu livro Quilombo do Campo Grande: História de Minas Roubada do Povo, o depoente concluiu: “Confirmada assim a história contada pelo preto Ambrósio a meu pai” [[33]]. Ora, sendo, os núcleos de Cristais e Formiga, a PRIMEIRA Povoação do Ambrósio e o Palanque, a guerra de que fala sua tradição não poderia ser a SEGUNDA, de 1759/1760 (comprovadamente ocorrida na região de Ibiá) e sim a primeira, de 1746. Nada mais óbvio.

Há, ainda, uma última carta – esta do irmão de Gomes Freire para as Câmaras da Capitania mineira, com a data de 12.02.1757 – onde, por causa de uma denúncia do ano anterior, em que as mesmas Câmaras haviam requerido “ser preciso dar-se em o Quilombo Grande, junto ao do Ambrósio que, da outra vez, foi destruído”, informa que fizera contatos com os práticos do lugar e resolvera contratar Diogo Bueno da Fonseca e Bartolomeu Bueno do Prado para a realização de tal missão [[34]]. Sem dúvida, está se referindo às Relíquias do Primeiro Quilombo do Ambrósio, na verdade, só atacadas em 1760.

Antes disso, confirmando o fato narrado em 1757, registre-se que “No dia 06 de dezembro de 1758, o governador José Antônio Freire de Andrade escreveu à Câmara de São João del-Rei comunicando o pedido de 20 canoas feito por Diogo Bueno que estava organizando uma expedição ao Campo Grande“ [[35]].

Diogo não usaria canoas para atacar o Ambrósio de Ibiá, a menos que as carregasse nas costas, atravessando as nascentes do São Francisco e subindo serras e montanhas. Diogo, realmente, NUNCA atacou o Ambrósio de Ibiá. Somente às Relíquias do Primeiro Quilombo do Ambrósio [[36]]. Assim, essas canoas só seriam utilizadas nesse ataque, repita-se, que só ocorreria em 1760, quando da destruição do Quilombo do Cascalho, experiências minerais na região da atual Cristais-MG e apresentação do “Mapa de Todo o Campo Grande”.

Realmente, utilizando essas MESMAS canoas de 1758, Diogo e Bartolomeu, em 1760, após terem destruído o Cascalho II, embarcaram no Porto de Lavras e navegaram até a Serra das Esperanças quando, de um lado, demarcaram uma sesmaria para Diogo e, de outro, na Capetinga, demarcaram a sesmaria do próprio Bartolomeu Bueno do Prado que, assim, se não a tivesse trespassado a terceiros, teria sido o terceiro sesmeiro de Cristais-MG.

Voltando às batalhas de 1746. Resta, também, a questão da distância de mais de 51 léguas percorridas pelas tropas, a partir do Sítio dos Curtumes. Lembremo-nos  de que de Casa Grande a Ibiá daria um total de mais de 75 léguas, inviabilizando a hipótese de que o capitão-governador Antônio João de Oliveira, em 1746, tivesse atacado o Quilombo do Ambrósio de Ibiá.

Distância aproximada, em caminhos bem mais aperfeiçoados, é confirmada por Auguste de Saint-Hilaire em 1819: total de 73 léguas [[37]].

Mas, e de Casa Grande/Rezende Costa a Cristais…  daria essa distância de 51 léguas?  Passando por Formiga, SIM!

O cálculo aproximado é o seguinte: De São João del-Rei a Formiga a distância dada pelo Guia Quatro Rodas é de 223 quilômetros. A distância entre Formiga e Campo Belo (leste de Cristais) é de mais 74 quilômetros, totalizando 297 quilômetros. Arredondando o número pela saída de Casa Grande ou Rezende Costa (e não de São João del-Rei) em mais 40 quilômetros, chega-se a 337 quilômetros, ou sejam 51 léguas de sesmaria [[38]].

Segundo a cartografia da época e indícios documentais, a tropa, partindo de Casa Grande ou Rezende Costa, seguindo rumo oeste, passou pela Capela de São João Batista (Morro do Ferro), pela Capela de Nossa Senhora da Oliveira (Oliveira), Fazenda Curral (sul de Itapecerica), Tamanduá (Itapecerica). De Itapecerica, tomou rumo sul, pela margem direita do rio Formiga e atacou o Palanque e depois as Trincheiras dos negros, sem dúvida localizados nos seguintes pontos do atual território de Formiga:

A – Local chamado “Balas”, ou “Morro das Balas”, nas nascentes noroeste do Ribeirão do Quilombo, norte da “Fazenda do Quilombo” a seguir identificada.

B – “Fazenda do Quilombo”, acima da “Escola Osvaldo Cruz”, próximas da zona urbana, a noroeste de Formiga, às margens do Ribeirão do Quilombo [[39]]. Esta, aliás, seria a mesma fazenda de Antônio José da Silva, “o Torto”, que em 01.01.1765 a requerera em sesmaria COM ESTE NOME a Luiz Diogo Lobo da Silva, pela qual, em 1769, passara Inácio Correia Pamplona sem chamá-la de “quilombo” e sim pelo nome de seu recente dono. Aliás, o próprio escriba de Pamplona informa em seu diário que “pulara” esse trecho da viagem. (Evidente a má-fé).

C – Outros locais de Quilombos, ainda dentro de Formiga, “Paiol” e “Quilombo”, podem ser identificados nos afluentes direitos do rio Santana.

A mentirosa Carta da Câmara de Tamanduá à Rainha, documento 100% ideologicamente falso, inventou em 1793 que, daí, as tropas desceram e foram atacar o Quilombo do Ambrósio de 1746, segundo ela em Ibiá, onde Ambrósio teria sido morto, outra mentira por nós desmascarada. Nenhum documento fidedigno, da época, noticia esses fatos. Ao contrário, Gomes Freire informou em carta ao Rei que, depois do ataque ao Palanque, não houve mais nenhum ataque em 1746.

Ante a todos estes fatos, cartografia e documentos arguidos foi que apresentamos ao técnico-historiador do IPHAN as seguintes reinvindicações:

Entendo que o sítio em estudo, o de Ibiá, sem sombra de dúvida é o local de um antigo quilombo, merecendo total proteção nos termos do parágrafo 5º do artigo 216 da Constituição Federal.

No entanto, deve ser totalmente afastada a infundada hipótese de que as batalhas ocorridas até 1746 tenham qualquer conotação com esse sítio indicado por Pamplona em Ibiá, pois que, nessa época, a então PRIMEIRA POVOAÇÃO DO AMBRÓSIO se localizava onde, hoje, se encontra o território municipal da cidade de Cristais/MG”.

As sangrentas batalhas que descrevem os documentos mencionados, por sua vez, ocorreram no Palanque e Trincheiras dos negros, que se localizavam, isto sim, no atual território do município de Formiga. Nada tem a ver com o ataque à Povoação do Ambrósio que, como se viu, até hoje só foi noticiado pela Carta da Câmara de Tamanduá, escrita em 1793, um amontoado de mentiras que visava enganar o Príncipe Regente, dom João, para usurpar de Goiás o Triângulo, hoje, Mineiro. 

Assim, os documentos em que se deve respaldar o tombamento do sítio em estudos, o de Ibiá,  são aqueles relativos às batalhas travadas contra o Quilombo Grande e o Sapucaí, no período de 1759 a 1760, mencionados, entre outros pesquisadores, claro, com outra finalidade, pelo Professor Waldemar de Almeida Barbosa em seu livro “Negros e Quilombos em Minas Gerais”, por Carlos Magno Guimarães (este é o referido “pesquisador da UFMG”), em seu livro “A Negação da Ordem Escravista”, e, finalmente, mencionados em meu livro, “Quilombo do Campo Grande – A História de Minas Roubada do Povo” (e, depois, também pelo outro livro “Quilombo do Campo Grande: História de Minas que se devolve ao povo) de forma completa e sistemática, cujo apanhado de obras citadas, mais completo, faço em anexo à presente.

Tombado o sítio de Ibiá por mim indicado com base na documentação de 1759, proponho estudos para tombamento de todos os outros sítios identificados no meu livro a partir do Mapa do Campo Grande, desenhado pelo Capitão Antônio Francisco França em 1760/1763, envolvendo todo o Alto Paranaíba, Triângulo Mineiro, Alto São Francisco, Sudoeste de Minas, especificamente a região do Sapucaí, além do nordeste do Estado de São Paulo, onde, em Divinolândia/SP, se localizava o mais populoso de todos os quilombos do Campo Grande.

Coloco-me à inteira disposição do seu Departamento para tudo o que precisar sobre o tema”.

Depois disto, nunca mais obtive qualquer resposta do IPHAN ou de qualquer outro órgão cultural de nosso País. Desde então, tudo foi inércia. Tudo passou a ser silêncio.

Assim, em 1999, escrevi mais este artigo sobre o tema e o divulguei em minha página pessoal para ver se conseguia alguma repercussão pelo menos junto ao meio acadêmico, onde, salvo melhor juízo, a qualidade do conhecimento produzido pelos cursos de pós-graduação da UFMG e da USP deveria ser objeto de severa reflexão e discussão.

O Ministério da Cultura, o IPHAN e a Fundação Palmares dos governos Fernando Henrique, Lula e Dilma se fecharam. No governo desta última, o IPHAN ainda me respondeu alguns e-mails dizendo que iria verificar. No entanto, nunca responderam NADA.

NOTÍCIAS de 2003 – Texto acrescido em 03.08.2002 e em 13.07.2003:

Apesar de todas as informações supracitadas – enviadas a todos os órgãos de cultura da União e do Estado de Minas Gerais – o Ministério da Cultura, negando prestar qualquer informação a este pesquisador, publicou em março/2002, uma lacônica portaria homologando o erradíssimo tombamento, quanto à sua documentação.

– Nº52 – Seção 1, segunda-feira, 18 de março de 2002

GABINETE DO MINISTRO

PORTARIA Nº 11, DE 15 DE JANEIRO DE 2002

O MINISTRO DE ESTADO DA CULTURA, considerando o disposto no art. 216 § 5º da Constituição Federal e no uso das atribuições que lhe confere a Lei nº 6.292, de 15 de dezembro de 1975, e ainda tendo em vista o reconhecimento do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural na sua 25ª reunião realizada em 09 de novembro de 2000, resolve:

I – Homologar para os efeitos do Decreto-lei nº 25, de 30 de novembro de 1937, o tombamento dos remanescentes do Quilombo do Ambrósio[40], situados na Fazenda do Ambrósio, Município de Ibiá, Estado de Minas Gerais, de acordo com o perímetro delimitado à fls. 219 do processo nº 1.428-T-98, e da Documentação Referente ao Quilombo do Ambrósio (de 1746), acautelada nas dependências do Arquivo Público Mineiro, no Município de Belo Horizonte, Estado de Minas Gerais, igualmente tratada nos autos do processo em referência.

II – Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.

FRANCISCO WEFFORT

(Of. El. nº 21/2002)

IMPRENSA NACIONAL

SIG, Quadra 06, Lote 800, Caixa Postal 30.000, CEP 70610-460, Brasília – DF – Brasil

Maiores informações (em 2002): 0800 61 9900     in@in.gov.br

Obs.: Ministro, realmente, inculto e mal-informado: locais de antigos quilombos são “reminiscências” e NÃO ‘remanescentes’ de comunidades quilombolas (art. 216, § 5º da CRFB).

Além de tombar indevidamente com a documentação de 1746 (acima grifada) pertinente à Guerra Quilombola em Formiga e Cristais, não souberam informar corretamente o município onde ficaria o sítio tombado: CLIQUE AQUI e compare a portaria acima com o sítio registrado em nome de Campos Altos pelo IPHAN. Ora, sendo o mesmo lugar, porque a portaria acima só menciona Ibiá, nada falando de Campos Altos?

Da mesma forma, o IPHAN, a partir de julho/2002, passou a publicar “orgulhosamente” o equivocado tombamento, NÃO deixando dúvida de que a documentação embasadora fora mesmo a errada, por ser apenas e tão-somente a de 1746 mencionada no presente estudo.

Denunciei na Internet que esse tombamento que visou a favorecer o turismo em Ibiá, mas principalmente em Araxá (aquela cidade onde tem um tal Hotel do governo… lembra? Será que foi privatizado?), estava, no entanto, NEGANDO a HISTÓRIA e a verdadeira dimensão do Campo Grande, em prejuízo de dezenas de outras cidades, a exemplo de Arcos, Formiga, Cristais, Guapé, Carmo da Cachoeira, Nepomuceno, Três Pontas, Campo do Meio, Boa Esperança, Campos Altos, Santa Rosa da Serra, Córrego Danta, Luz, Rio Paranaíba, Estrela do Indaiá, Serra da Saudade, Medeiros, Bambuí, Tapiraí, São Gotardo, Alpinópolis, Carmo do Rio Claro, Nova Resende, Capetinga, São Sebastião do Paraíso, São Tomaz de Aquino, Pratápolis, Guaranésia, Guaxupé, Jacuí, Passos, Monte Belo, todos em Minas Gerais, além de Pedregulho, Franca e Divinolândia, no Estado de São Paulo, todas elas PALCOS de batalhas das TRÊS guerras aos Quilombos do Campo Grande. Lembremos que o Segundo Quilombo do Ambrósio, o de Ibiá, foi o único quilombo onde nunca houve batalha alguma, pois foi encontrado evacuado por Bartolomeu Bueno do Prado em 1º de Setembro de 1759, que o queimou no dia 8 desse mesmo mês e ano, depois de ter destruído o Quilombo da Pernaíba, onde o Rei Ambrósio teria perecido em combate no dia 7 de setembro de 1759.

Em 07.08.2002, o então Secretário de Estado da Cultura, de Minas Gerais, respondeu meu e-mail:

“Belo Horizonte, 7 de agosto de 2002.

Ilmo. Sr. Tarcísio José Martins

São Paulo-SP

Em atenção à mensagem de Vossa Senhoria, estou solicitando o exame de suas colocações sobre o Quilombo do Ambrósio ao Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais, IEPHA-MG, cujo presidente é o Dr. Flávio Carsalade (e-mail: iephapr@mg.gov.br).

Atenciosamente,

Angelo Oswaldo de Araújo Santos

Secretário de Estado da Cultura”.

Obs. Antes de ocupar este cargo no governo estadual de Itamar, o político Angelo Oswaldo fora presidente do próprio IPHAN, exatamente na época dos pseudo estudos que fundaram o inculto tombamento.

Até a data de 13.07.2003, nada mais nos foi informado.  No entanto, parece que o site do IPHAN não está mais ostentando esse “tombamento”. Passando pelo chamado “Morro da Espia” no suposto “sítio” de Ibiá em abril de 2003, nada há lá sobre a vergonhosa portaria “nº 11” do ex-ministro Weffort, datada de 15.01, mas publicada somente em 18.03.2002. A placa que colocaram lá menciona apenas o nome da Prefeitura Municipal de Ibiá. Nada Mais.

Este dano histórico continua em vigor, mas o IPHAN apagou em seu site todas as asneiras que deram falsos fundamentos, publicando, atualmente, apenas imagens, sem texto. Alguns falsos intelectuais de Ibiá propagam que este historiador quer impedir o tombamento daquele sítio, o que é mais uma tremenda mentira, pois, o que sempre quisemos é o aperfeiçoamento daquele tombamento.

Em junho de 2011 fomos surpreendidos por ação conjunta de alguns mestres e doutores da UnB, USP, UERJ e UFU onde de forma aética e irresponsável prestam apoio a mais uma tentativa de tombamento da Ferradura de Pamplona, em Ibiá, com a errada documentação de 1746, agora diretamente pelo IPHAN (ignorando completamente a portaria oficial de Weffort), bem como as nossas contestações que, desde 1999, NUNCA responderam. Pedimos-lhes esclarecimentos por e-mail. Ante a omissão deles, oferecemos-lhes nossa contestação de forma veemente através das matérias abaixo que também publicamos no MGQUILOMBO.

Quilombo do Ambrósio – Imperícia na Universidade Pública?

e

Quilombo do Ambrósio – Os Erros Grosseiros do IPHAN

e ainda

IPHAN quer fazer História de Minas Gerais com carteiradas de autoridade

e

FALA SÉRIO, IPHAN!

e

IPHAN = Impostura e Prepotência Históricas, Arrogantes e Nebulosas

 

e novidades em julho de 2013

QUILOMBO DO AMBRÓSIO – O IPHAN ACEITOU CONVERSAR

Mas, era tudo mentira. Perdemos nosso tempo. Pretensos historiadores como os aqui citados, verdadeiros enganadores culturais, teriam que revisar e republicar seus livros, Admitindo os erros pueris que cometeram durante tantos anos. Não tiveram a coragem e nem a dignidade para confessar seus erros, o que seria até aceitável, pois se basearam em falsas fontes historiográficas, exceto naqueles casos de evidente má-fé. A própria História haverá de colocá-los no lugar que merecem para toda a posteridade. Nossa confiança está no fato de que os documentos históricos coloniais das Minas Gerais estão disponíveis até na Internet e podem ser lidos e entendidos até pelas inteligentíssimas crianças de nossos dias. Ou seja, a picaretagem historiográfica e sociológica está com os dias contados.

As cidades de Formiga-MG e Cristais-MG, por sua vez, estão cuidando de imortalizar essas efemérides de 1746 em seus Sítios Históricos, no Morro das Balas e Morro da Vigia do Ambrósio e Memorial do Primeiro Quilombo do Ambrósio.

Portanto, respondendo à pergunta “Quilombo do Ambrósio, onde ficava”, o próprio povo das Minas Gerais não aceita mais as mentiras “oficiais”.

Tarcísio José Martins – 27.10.2013 e 15.08.2022.

[1] É aí que está o principal “erro” da informação: data advinda de documentação indevida.

[2] O jornal foi mal informado. Carlos Magno Guimarães publicou seu trabalho “arqueológico” pela Revista do Instituto Anchietano de Pesquisas, de São Leopoldo, em 1980. Vide meu livro, “Quilombo do Campo Grande: História de Minas Roubada do Povo”, pp. 168-169.

[3] Esses materiais poderiam ser encontrados em qualquer lugar que nunca tenha sido quilombo. Ou seja, trata-se de mais uma picaretagem arqueológica.

[4] Este é o conto que o APM publicou como se história fosse, clique:

http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/modules/rapmdocs/viewcat.php?cid=420

[5] Na verdade, o folhetim de “Carmo Gama”, de onde Carlos Magno tirou essa falsa informação, localizou os fatos entre 1790 a 1801/1802; fez isto de propósito, deixando, nas entrelinhas, que se tratava de um folhetim aquilo que chamou de “lenda”.

[6]  Estudos ao ROTEIRO da falsa Expedição de Inácio correia Pamplona, ano de 1769, comprovam que este Segundo Quilombo do Ambrósio, o da planta-croqui utilizada por Carlos Magno Guimarães, situar-se-ia, isto sim, onde hoje se localiza o bairro ou vila de Ibiá, chamado Alto do Quilombo. Ou seja, erro de interpretação de uma informação já, de per si, falsa.

[7] Que os pretensos pesquisadores citados escreveram ter sido destinada ao Rei de Portugal (?!).  Como se verá, esse “equívoco” pode ter sido proposital, exatamente para “propiciar” uma falsa premissa que lhes permitisse arguir a errada localização em Ibiá.

[8] Vide documento APM, Códice SC 84, fl. 75, de 06.04.1745.

[9] Vide “Viagem às Nascentes do Rio São Francisco”, Itatiaia/EDUSP, 1975, pg. 113

[10] Vide Mapas de José Joaquim da Rocha apensos a “Geografia Histórica da Capitania de Minas Gerais”, Fundação João Pinheiro – BH – 1995.

[11] Vide documento do APM, Códice SC 84, fl. 109v, de 01.06.1746.

[12] Vide documento do APM, Códice SC 84, fl. 111.

[13] Vide documento do APM, SC 45, fl. 64v.

[14] Atualmente, estudos que fiz ao roteiro da Expedição de Pamplona onde, pelo menos nisso não é falsa, confirmam totalmente esta tese, agora provada, inclusive quando à distância.

[15] Vide documento do APM, SC 45, fl. 69.

[16] Vide documento APM, SC 45, fl. 64v.

[17] Vide o mesmo documento APM, SC 45, fl. 64v.

[18] Vide novamente APM, SC 45, fl. 64v.

[19] Vide Revista do APM, Ano II, 1897, pp. 372/388.

[20] Idem Revista do APM, Ano II, 1897, pag. 376.

[21] Desenhado pelo Capitão Antônio Francisco França entre 1760 e 1763

[22] Confirmado por outros documentos encontrados no Arquivo Público Mineiro, a exemplo do APM – SC 130, fl.50.

[23] O mapa está legendado de “cabeça para baixo”, ou seja, norte para baixo e sul para cima, o que não foi percebido, até então, por todos os nossos historiadores.

[24] Vide nosso primeiro livro “Quilombo do Campo Grande: Ladrões da História”, pp. 171/177 e 183/187.

[25] APMSC 45, fl. 69, de 06.10.1746,

[26] AHUACLN RJ doc. 80644 de 06.05.1747.

[27] APM SC 45, fl. 78v de 03.10.1747.

[28]  Documentos levantados pelo amigo e Historiador José Gomide Borges.

[29] Documento também levantado pelo Historiador José Gomide Borges.

[30] Livro “Negros e Quilombos em Minas Gerais”, do tendencioso Waldemar de Almeida Barbosa, pg. 33.

[31] “Negros e Quilombos em Minas Gerais”, de Waldemar de Almeida Barbosa, pp. 33/34, citando Museu de São João Del-Rei, Sesmarias, Maço C-1.

[32] Vide livro “Quilombo do Campo Grande: História de Minas que se devolve ao povo”, pp. 530 e seguintes.

[33]  Depoimento escrito dado espontaneamente pelo Historiador José Gomide Borges, autor de várias obras, destacando-se o magnífico “O Sertão de Nossa Senhora das Candeias da Picada de Goiás” – 1992.

[34] Vide APM, SC 116, fls. 98, 98v e 99.

[35] Vide Revista do APM, Ano II, 1897, pg.386.

[36] “Uma Negação da Ordem Escravista”, pg. 81 citando SCAPM, pg. 135, ver nota do Capítulo I”.

[37] Viagem às Nascentes do Rio São Francisco, Itatiaia/Edusp-1975, pp. 79/80, 89 e 106.

[38]  O cartógrafo e diarista contratado por Pamplona, aponta, no roteiro que teriam seguido, os pontos que já existiam desde a aberta do Caminho por Urbano do Couto (1736) e que, portanto, já existiam em 1746, dando distâncias e não deixando a menor dúvida sobre a exatidão do raciocínio supracitado.

[39] Mapoteca da Biblioteca Mário de Andrade, São Paulo/SP, mapa topográfico SF-23-c-II-3.

[40] Como poderia o tal sítio que, desde 1º de setembro de 1759 está desabitado, poderia ser um “remanescente” de quilombo? Ou seja, Weffort e seus assessores do IPHAN demonstraram ser mesmo ignorantes sobre o que está escrito em nossa própria Constituição Federal de 1988.

 
2003 © Todos os direitos reservados a Tarcísio José Martins