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A TOPONÍMIA DO PRIMEIRO QUILOMBO DO AMBRÓSIO, CRISTAIS-MG

TOMBAMENTO

Ante a evidência final representada pelo Processo Judicial de Demarcação da Sesmaria de Constantino Barbosa da Cunha, pedida em abril de 1765 e demarcada em maio de 1766, a colenda Câmara Municipal de Vereadores aprovou e a DD. Prefeita de Cristais-MG, Sra. Maria Elizabet Santos de Souza, decretou o tombamento da toponímia do Primeiro Quilombo do Ambrósio, Cristais-MG:  Decreto nº 50 de 26 de agosto, transformado na Lei nº 1504 de 10 de novembro de 2009.

Há mais de 15 anos um sonhador teve um sonho: Devolver a História de Minas que haviam roubado do Povo. Escreveu em seu site pessoal o pressuposto-símbolo de suas descobertas: “O Quilombo do Ambrósio, Capital do Campo Grande, em 1746, ficava em Cristais-MG“. E foi à luta.

Seu quartel e baluartes: O IHGMG e os amigos Celso Falabella e Jorge Lasmar.

Suas armas: Pesquisas aos arquivos do APM e AHU.

Maior inimigo: O desconhecimento sobre a verdadeira História de Minas.
Um dia, o sonhador contou o sonho ao Prof. Antônio Carias Frascoli, que passou a sonhar junto. Prof. Carias o apresentou, e o sonho, a outras pessoas de sua Terra, Cristais-MG e todos nós continuamos a sonhar juntos.

Em agosto de 2008, o sonhador Tarcísio José Martins publicou sob o selo do IHGMG a segunda edição de seu livro Quilombo do Campo Grande, agora com o título “A História de Minas que se devolve ao Povo“.

Em 23 de novembro de 2008, juntamente com o Prof. Carias, foi apresentado o trabalho acima à comunidade de Cristais-MG. Presente à comunidade municipal, o sonhador confessou perante os Professores e Professoras, perante a Sra. Prefeita, o Sr. Pároco, o Dr. Juiz e Dr. Promotor Público que tinha medo de morrer e não ter conseguido divulgar seu trabalho para as crianças mineiras.
Com a boca, ninguém disse sim e nem não. Mas o sonhador contumaz se viu nas nuvens, só que agora, com a certeza de sonhar juntamente com a população de Cristais-MG e as suas crianças.

Agora, só faltava conseguir uma cópia dos autos do Processo Judicial de Demarcação da Sesmaria do Quilombo do Ambrósio, de Constantino Barbosa da Cunha. No entanto, depois de tantos anos para decifrar os supostos erros de Waldemar de Almeida Barbosa apareceu outro obstáculo: o IPHAN, (Viu? Tirou a página do seu site), depois de tombar o Segundo Ambrósio de Ibiá com a documentação errada, era, agora, o detentor desses documentos dos arquivos de São João Del Rei. O sonhador pediu até pelo amor de Deus, mas não obteve confirmação e nem acesso a esse documento, nem com a Presidência do IPHAN em Brasília e nem em São João Del Rei.

Sonhar junto é outra coisa. Um cristalense ilustre, Sr. Mozart Victor de Carvalho, conseguiu, através de amizade pessoal, acesso aos históricos autos judiciais. O Sonhador voltou a Cristais e, de lá, foram todos juntos em 31.07.2009 para São João Del Rei, onde puderam fotografar não só este, mas vários outros documentos judiciais.

Valeu a pena. A sesmaria de Constantino Barbosa da Cunha se demarcou conforme carta de 1765, com as mesmas delimitações das seguintes cartas anteriores de sesmaria:

1ª) Antônio João de Oliveira, como prêmio por ter atacado a Primeira Povoação do Ambrósio em 1746 – APM SC 90, fls. 36v a 37, de 24.03.1747.

2ª) Bartolomeu Bueno do Prado, que destruiu as Relíquias do Primeiro Quilombo do Ambrósio (Aguanil), e toda a Confederação Quilombola do Campo Grande, Triângulo Mineiro e atual Sudoeste de Minas em 1759. Tendo falecido o capitão Oliveira em 1759, Bartolomeu obteve, no mesmo lugar, uma “sesmaria de três léguas de terra,(…), principiando a medição delas da Serra da Esperança, correndo rio Grande acima, confrontando da parte do Nascente com o rio chamado Lambari, e pela do Poente com a Serra da Esperança; do Norte, com o Pouso Alegre, e da parte do Sul com o rio Grande, correndo a medição para todos os rumos” – APM SC 129, fls. 99, de 18.12.1760.

3º) Constantino Barbosa da Cunha, que esteve junto com Bartolomeu Bueno do Prado e Diogo Bueno da Fonseca na destruição do Quilombo do Cascalho, quando foi feito o Mapa do Campo Grande do Capitão França, deve ter comprado sua sesmaria do próprio Bartolomeu Bueno (Ambos moravam em São Pedro de Alcântara do Jacuí (e não de Ibiá), cuja carta obtida em abril de 1765, indicava as três léguas quadradas de terra com as indicações que ia “do rio Lambari, correndo rio Grande acima, que confrontavam pelo sul com o dito rio Grande, e pelo norte com a Picada de Goiás, e pelo Nascente com o rio Grande Pequeno, chamado Jacaré, e pelo Poente com o dito Lambari”. APM SC APM SC 140, fls. 111v/113v, de 19.04.1765.

Constantino, no entanto, foi o único que fez a demarcação judicial, através do processo chamado Medição e Demarcação de Sesmaria, comparecendo o Juiz das Sesmarias, escrivão, meirinhos, louvados e demais oficiais na sede da propriedade a ser demarcada. Em 1766, três anos depois da morte de Gomes Freire, já não era proibido mencionar o nome do verdadeiro Quilombo do Ambrósio. Por isto, todos os atos judiciais foram datados da Fazenda, Sítio ou Paragem CHAMADA Quilombo do Ambrósio. O processo está identificado como “Autos de Medição e Demarcação da Sesmaria do Quilombo do Ambrósio”.
Os autos começam na fl. 32. Portanto, devem lhe faltar as primeiras 31 páginas. A primeira peça seria exatamente a Petição Inicial, onde o Sesmeiro geralmente conta a sua saga para conquistar ou comprar a terra a demarcar.
Epígrafe esquerda da página: “Sítio do Quilombo do Ambrósio, ou Sertão do Jacuí do Rio Lambari, Termo da Vila de São José”.

Epígrafe direita da página: “Freguesia de Nossa Senhora do Rosário do Tamanduá, Freguesia de São Bento do Tamanduá”.

Centro: “Autos de Sesmaria de Constantino Barbosa da Cunha – 1766”.
Confira a imagem do documento original.

Quase todos os atos judiciais estão datados do local chamado Quilombo do Ambrósio, cuja demarcação, seu pião e pontos de rumos, não deixam dúvida ser mesmo entre os rios Lambari, Jacaré e Grande.

Destaca-se:
Ano do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil, setecentos e sessenta e seis anos, aos vinte e nove dias do mês de abril do dito ano, nesta paragem chamada o Quilombo do Ambrósio, ou Sertão do Jacuí do Rio Lambari[1], Freguesia do Tamanduá, Termo da Vila de São José, Minas e Comarca do Rio das Mortes, em o (no) sítio e casas do sesmeiro Constantino Barbosa da Cunha, donde se achava aposentando o doutor Salvador Godoy dos Passos, cidadão e executor das sesmarias, na forma das Reais Ordens de Sua Majestade Fidelíssima que Deus Guarde, (…) Tabelião do seu cargo ao diante nomeado, e sendo aí (…) (…) presente do Dr. José Barbosa da Cunha, procurador”, advogado e filho de Constantino.

E ainda:
Diz, Constantino Barbosa da Cunha, que ele, suplicante, alcançou a Sesmaria junta para tomar posse de umas terras e campos, para criar gado vacum e cavalar na paragem chamada o Quilombo do Ambrósio, e como o não pode fazer sem que Vossa Mercê lhe assine dia para a medição da mesma Sesmaria, para isso”. Confira a imagem do documento original.

Ao final, saindo pelos campos e montes de Cristais, Juiz, Escrivão, Louvados (peritos em medição) com suas cordas de medir braças, a sesmaria foi demarcada em cruz, tendo ao centro o Pião, de onde se partia e voltava a cada medição, medindo a Norte, a Sul, a Leste e a Oeste, onde se fincavam paus lavrados e marcados. A medição foi tranquila, deixando evidente que ainda em 1766, era tudo sertão e nem confrontantes com títulos legítimos (demarcados) havia: “Estes autos, carta de mercê de terras concedidas.

Exames de corda e aguilhão. (Rubrica).

O que tudo visto e os mais dos autos. E como não houvesse confrontantes, por serem as terras medidas e demarcadas em Sertão, nem haver oposição alguma, hei as terras por medidas e demarcadas, na forma que consta dos autos de medição. E julgo por sentença, para o que interponho minha autoridade pretoria com Decreto Judicial que mando se cumpra e guarde, como nela se contém, de que se dará Sentença ao Sesmeiro para seu uso, querendo-a como também a própria carta de Sesmaria com certidão nas costas de se acharem as terras concedidas nela, medidas e demarcadas e o dito Sesmeiro de posse delas, para com a mesma requerer a S. Majestade sua confirmação dentro do tempo e na mesma declarado. E pague o Sesmeiro as custas ex causa em que o condeno. Sítio do Quilombo do Ambrósio, 2 de junho de 1766. Salvador Pais Godoy dos Passos. Rubrica”. Confira a imagem do documento original.
Confira a transcrição total do Processo Judicial de Demarcação da Sesmaria do Quilombo do Ambrósio, com notas explicativa de rodapé.

OBS: Esse mesmo juiz, segundo o amigo e confrade José Gomide Borges, demarcou, logo a seguir, também a Sesmaria do Capitão Domingos Rodrigues Lima Tendais, em território da atual cidade de Candeias-MG.

Comprovou, outrossim, José Gomides, que esse juiz nada mais era do que o lendário “Padre Doutor”, de Tamanduá e de Formiga, onde foi sesmeiro e teria sido um dos primeiros capelães.

Além da prova supracitada, há dezenas de outras provas documentais ignoradas pela historiografia, pois distorcidas por Inácio Correia Pamplona na própria época e, desde o começo do século XX, esgarçadas por historiadores como Hildebrando Pontes, Waldemar de Almeida Barbosa e seus seguidores. A paradoxal Lógica Formal do sonhador os desmascarou. José Gomide Borges, historiador de Candeias-MG, presenteou o sonhador Tarcísio José Martins com os seguintes registros que dão notícias claras e expressas do Quilombo do Ambrósio de Cristais-MG. Livro de registro de terras da Igreja, da Capela de Nossa Senhora da Ajuda dos Cristais, Livro TP-39 do Arquivo Público Mineiro, destacando-se os registros de 1856, consignados às fls. 118v; 165; 167; 191; 193v-194; 197; 197v-198; 198; 206; 212; 212v; 223v; e 241. Por exemplo: Registro de Óbito: “Jerônima Fernandes de Carvalho diz em seu testamento ‘ser natural de Itaubira do Campo, casada com José Cordeiro Coutinho, não tendo filhos’. Lavrado na Fazenda do Quilombo do Ambrósio, Aplicação Nossa Senhora das Candeias, ano de 1795. Jerônima faleceu em ‘sua fazenda chamada do Ambrósio’, aos 5 de abril de 1799 – Cúria Diocesana de Divinópolis, Livro 128 de Óbitos. Nota: Antes da criação da Capela de Nossa Senhora da Ajuda dos Cristais, todo o território compreendido entre os rios Grande, Lambari e Jacaré pertencia à Capela de Nossa Senhora das Candeias”. José Gomides Borges, em carta ao colega sonhador, transmitiu a ele a tradição que ouvira quando criança nas histórias que um negro velho, xará do Rei Ambrósio, contava para ele por volta do ano de 1936, quando ia com seu pai prestar serviços de ferreiro e ferrageiro na famosa Fazenda do Quilombo, hoje, engolida pelo grande Lago de Furnas.

Diante de tudo isto, a Historiadora e Profª. Maria Salomé Reis Alves de Lima e seu colega Marcos Antonio Marques, Presidente do Conselho Municipal do Patrimônio Cultural, bem como, a Diretora Municipal de Educação e Cultura, Sra. Leila Aparecida Pinheiro Maia e a Sra. Alexa Bastos Gambogi Meireles, Consultora da Política de Preservação do Patrimônio Cultural, levaram o sonho aos vereadores José Carlos dos Reis, Benjamim Alves de Lima, Cesar Alexandre Maia e Atanael dos Santos, os quais, convenceram os colegas Presidente Humberto Francisco de Carvalho, Nelson de Oliveira Lemos, Alexandre Silva, Marcos Basílio Neves e Jaine Aparecida Santos, e a Câmara Municipal, sob votação unânime aprovou, em 13 de julho de 2009, a indicação nº 56/2009 “no sentido de realizar o tombamento da toponímia geral da Primeira Povoação do Ambrósio, composta pelo conjunto Morro do Quilombo, Morro Redondo, Morro Meia Laranja, Ribeirão do Quilombo, Ribeirão do Paiol, Morro da Vigia, Ribeirão do Segredo e Fazenda do Segredo”.

Como se vê, o Povo não mora na União. O Povo não mora no Estado. O Povo não mora no Ministério e nem na Secretaria da Cultura; não mora no IPHAN, nem no IEPHA e nem na Fundação Palmares. O Povo mora no Município. Em Cristais-MG é assim: A Câmara Municipal escuta e traduz em lei a voz do Povo. A Senhora Prefeita, sendo o próprio Povo, disse: eu sanciono, sim, e promulgo esta lei. E cumpra-se.

Por enquanto, nosso sonho está neste ponto. Vem conosco. Ajude-nos a sonhar mais forte ainda e fazer acontecer o reconhecimento de toda a toponímia e eventuais indícios arqueológicos que marcam a Confederação Quilombola do Campo Grande, incluído o Segundo Quilombo do Ambrósio de Ibiá e demais quilombos confederados do Triângulo, Centro, Centro-Sul e do Sudoeste de Minas.

Equipe Calambau – 05.09.2009

[1] Essa expressão “Sertão do Jacuí do Rio Lambari” é para deixar claro que, apesar de se situar na margem direita do rio Grande, quem mandava nesse território era o capitão Bartolomeu Bueno do Prado, sediado na vila de São Pedro de Alcântara do Jacuí (hoje Jacuí), isto, para afastar a ingerência do atrevido Pamplona que, daí para cima, procurou invalidar tudo, inclusive tomando terras de legítimos posseiros, tanto para si e para outros sesmeiros.