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Quem foi o Rei Ambrósio do Campo Grande?

          Apesar da inexistência de fontes diretas, pudemos construir à luz da Lógica Formal um perfil da pessoa do Pai e Rei Ambrósio, tão distorcida, inventada e falsificada pelas fontes de segunda desde os anos setecentos e pelos inúmeros historiadores monarquistas e/ou racistas do final do Século XIX a meados do Século XX.

        Inventaram que Ambrósio era escravo, o que é falso. Ora, no Mapa de Todo o Campo Grande o capitão França dá ao seu arraial o nome de Povoação do Ambrósio e não de Quilombo, a exemplo da “Povoação dos Buenos”, onde morava Diogo Bueno da Fonseca, primo de Bartolomeu Bueno.

          Inventaram que Ambrósio era africano e que fora comprado no mercado do cais do Valongo, no Rio de Janeiro. Absurdo total. Ora, como poderia o Rei Ambrósio que esteve vivo nas Minas entre 1726 e 1759 ter sido comprado no Valongo cujo cais só passou a existir depois de 1811?

            Ambrósio não era estrangeiro e nem ex escravo. Qual a evidência disso?

         Como se lê nas listas de escravos dados à Capitação (1735-1750), os escravos estrangeiros recebiam sempre o “sobrenome” de sua etnia, como fulano Congo, fulano Angola, etc. etc. Os escravos brasileiros recebiam como “sobrenome” a adjetivação de sua nuance étnica, a exemplo de fulano Crioulo, beltrano Cabra, sicrano Pardo e, neste último caso, poderia receber também o próprio nome ou sobrenome de seu pai genético. Em qualquer caso, ganhando ou comprando sua alforria, que era registrada em cartório, esse preto, sob risco de nulidade, continuava a ter o mesmo “sobrenome” que tinha quando escravo. Nenhum documento cita Ambrósio com qualquer sobrenome. O que significaria isso?

           A maioria dos cabeças de fogo (chefes de família) das Minas sempre foram as pretas forras e livres que tinham escravos e agregados brancos e pretos morando com elas (VIDE “Um Recenseamento na Capitania de Minas Gerais, Vila Rica, 1804”, Arquivo Nacional, 1969). Quando tinham filhos com negros ou cabras, escravos ou não, em geral, ou colocavam o seu próprio sobrenome ou não colocavam sobrenome nenhum. Daí, a conclusão de que não tendo, o Rei Ambrósio sobrenome nenhum, deveria ser filho do ventre livre de uma negra forra ou livre. Ou seja, a evidência é de que nunca fora escravo e que já nascera livre.

        Repetindo as informações contidas nos documentos emitidos por Gomes Freire de Andrade exacerbadas pelos citados documentos falsos, nossos historiadores monarquistas e racistas propagaram uma figura de um Rei Quilombola violento e, por isso, o mais temido quilombola das Minas Gerais e, quiçá, do Brasil. Ora, isso foi implicitamente negado pelo autor das Cartas Chilenas que o chamou de Pai Ambrósio. Além disso, as dezenas de quilombos que a ele se confederaram mostram que ele não era temido coisa nenhuma e, ao contrário, era isto sim muito amado pelos seus agregados.

              Por outro lado, a ridicularização que o autor das Cartas Chilenas quis fazer dele e de seu quilombo traduz apenas o racismo do sistema escravista luso-brasileiro. As evidências mostram que o líder Ambrósio foi uma pessoa de muito carisma, como prova a toponímia (por nós estudada e elucidada, inclusive em dezenas de viagens aos locais) que, até os dias de hoje, além de seus quilombos, imortalizam o seu nome, como por exemplo, a serra do Ambrósio, entre os ribeirões da Mata e Paciência, nascentes do ribeirão do Curral, afluente esquerdo do rio Pará, na atual cidade de Carmópolis de Minas (VIDE Carta IBGE, Carmópolis de Minas, SF 23-X-A-IV-2, de 1976) e as outras duas serras paralelas, com o nome, de Ambrósio, entre o município de Pains e o norte da atual cidade de Formiga-MG, como se vê nas imagens cartográficas do artigo “Palanque do Ambrósio – 1746 – Arcos, Pains e Formiga”.

            O nome do quilombola Rei ou Pai Ambrósio e seu quilombo, surge pela primeira vez em um documento oficial na carta que José Antônio Freire de Andrade escreveu às câmaras em 12 de fevereiro de 1757, falando de suas “Relíquias”. Depois, em 1763, o Mapa de Todo o Campo Grande traz as localizações e os nomes da Primeira Povoação e do Quilombo, ambos com o nome de Ambrósio.  As Cartas Chilenas mencionam por volta de 1788 um “afamado quilombo, onde viveu o Pai Ambrósio”.

            A inidônea Carta da Câmara de Tamanduá à Rainha de 1793, distorce, mutila e confunde fatos verdadeiros em suas datas e geografia, com o objetivo de levar para dentro do Triângulo, então Goiano, todos os fatos de 1746 e outros para, assim, falsificar “provas” de que o Triângulo era mineiro. Vide nosso livro “Roubando a História, matando a Tradição”.

           Entre as absurdas mentiras que traz essa famigerada Carta da Câmara da Vila de Tamanduá à Rainha, está a de que no ano de 1746, o Quilombo do Ambrósio (Primeira Povoação) de Cristais – MG teria sido destruído e, o Rei Ambrósio, morto. Nada disso. Documentos oficiais mostram que as tropas do coronel Antônio João de Oliveira foram interceptadas na altura do Morro das Balas, onde foram derrotadas ou impedidas de atacar a Primeira Povoação do Ambrósio. Tanto que, após a extinção da Capitação, Ambrósio mudou sua capital para a região da atual cidade de Ibiá-MG.

       Outro documento oficial, emanado do próprio governador Gomes Freire de Andrade, indica que o Rei Ambrósio só teria perecido, de armas na mão e em combate contra as tropas de Bartolomeu Bueno do Prado, no dia 7 de setembro de 1759, no Quilombo da Pernaíba, localizado a norte da atual cidade de Patrocínio, transformando esse dia no Dia Nacional da Dignidade Negra.

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Tarcísio José Martins

18.06.2025