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A Língua Calunga de Patrocínio

https://jornaldepatrocinio.com/Dialetos bantus de Minas Gerais

A cada dia as Minas se descobrem mais bantu. Os secretários de cultura dos governos mineiros, no entanto, a cada dia se revelam mais distantes de nossa real cultura, ora agasalhando as lendas que negam a história, ora patrocinando uma filologia sudanesa, negada pela toponímia e pelo falar do povo mineiro.

A obra sociolinguística de Aires da Mata Machado Filho, não fossem as editoras Itatiaia e Edusp, talvez continuasse até sem a velha publicação de 1985, assim como, esquecida já está a recente obra “Pé preto no barro branco: a língua dos negros da Tabatinga” de Sônia Queiroz, editada pela UFMG em 1998.

Em meu romance-histórico, “Cruzeiro, o Quilombo das Luzes” publicado de graça pela Internet, e também esquecido, dei aos personagens negros a língua de São João da Chapada, imortalizada por Mata Machado em seu “O Negro e o Garimpo em Minas Gerais”, misturada com alguns vocábulos presenteados por Jayme de Altavilla em seu “O Quilombo dos Palmares” de 1926, tudo aferido e cimentado com os vocábulos que confirmei ou aprendi em Moema-MG, vizinha de Bom Despacho, onde Sônia Queiroz, muito tempo depois, buscou as fontes de seu livro acima evocado.

O confrade Jorge Lasmar, garimpeiro e faiscador de nossa cultura mineira, mandou-me nove diamantes preciosos com que seus malungos de Patrocínio-MG regularmente lhe enfeitam a escrivaninha em Belo Horizonte.

Tratam-se de nove artigos que no período de 03/05 a 30/08/2003 foram publicados na página “Ecos do Cotidiano” do “Jornal de Patrocínio”, sob o título “A Calunga dos Cafundós – Memória de Negros”.

Cecílio de Souza, o culto autor da coluna, em 03/05/2003 dá notícia da exposição paulistana “Negras Memórias, Memórias de Negros”, onde fala dos pesquisadores Carlos Vogt e Peter Fry, autores do livro “Cafundó”, bem como de uma poesia atual a São Benedito, cravejada de vocábulos umbundo.

O autor repete sempre os mencionados autores do livro “Cafundó”. No entanto, parece não saber que Silvio Vieira Andrade Filho que, conforme Revista da Folha de 14/05/1995, teria sido o descobridor da língua do Cafundó, a que chamou de cucópia, cujo significado seria “fala, conversa”.

Em São João da Chapada, Mata Machado anotou pópia ou popiá, onde popiá ondaca significa “falar a língua”, diferentemente de Patrocínio que, para a mesma expressão, se utiliza do vocábulo calungar, de calunga, distorção, talvez de natureza sociológica local, do verdadeiro significado dessa palavra bantu que, conforme Mata Machado e Yeda Pessoa de Castro, traduz-se em “o mar; o fundo da terra, o abismo”, o incomensurável.

Conforme noticiei em meu livro “Quilombo do Campo Grande” há indícios de ter existido um Quilombo Calunga, atacado em 1743, em território do atual município de Nepomuceno. A língua calunga de Patrocínio pode conotar-se também com o famoso Quilombo Calunga, localizado a nordeste do Estado de Goiás, conforme recentes descobertas, estudos e divulgações, cuja língua, conforme depoimento de pessoa que esteve lá, é também um misto de umbundo, quimbudo e língua geral.

Em 10/05/2003, Cecílio estabeleceu comparações sociológicas dos falares de Patrocínio-MG e do Cafundó-SP, a partir de seus respectivos clãs de falantes. Registra o falecimento de Maria Rita Pereira, a dona Liquinha de Patrocínio, ocorrido em dezembro de 2000. Aos cem anos de idade ela era um dicionário vivo do falar calunga de Patrocínio, onde, hoje, cada cidadão conhece em média pelo menos cinco falas dessa língua de pretos. Ao final da coluna, oferece alguns desses vocábulos.

Em sua coluna de 24/05/2003, o guardião da Língua de Patrocínio relembra seu próprio artigo de 13/09/1986, onde conta o caso de uns negros, fugidos quando do desembarque em Santos que se conservaram no mato, cujos descendentes ainda guardam segredo de seu reduto. Fala de João Cirilo da Cruz, 70 anos, filho de Varginha-MG e, apesar de há muito residente em São Paulo, ainda era “capaz de decifrar todo o umbundu com perfeição”.

Assim, Cecílio prova que já tratava do assunto bem antes de 1996, quando foi publicado o livro “Cafundó”. Noticia ainda sobre Mandu Paulino, grande conhecedor da língua calunga; filho de Maria das Dores, de Patrocínio-MG, falecida em 1994 em São Paulo.

O Jornal de Patrocínio de 31/05/2003 trouxe o mestre Cecílio rememorando seu artigo de 1987, “Um Homem Chamado Neném”, em paralelo à entrevista atual que Inácio Francisco de Souza (pai do colunista), notável conhecedor do dialeto calunga, dera à Televisão NTV. A seguir, presenteou o leitor com “mais algumas palavras do léxico calunga, segundo o livro Cafundó”.

A coluna “Calunga dos Cafundós (XIV) trouxe o subtítulo “O Cidadão de Cor”. Fala do reencontro com Sebastião da Silva, 66 anos, havia muito ausente de Patrocínio, apelidado “O Pixe”, malandro, sambista, autor de peripécias mil, único jogador de futebol que atuou na posição de defunto[1]. Na oportunidade dessa reportagem, festa de suas bodas de ouro no Lions de Patrocínio, encontrou-se também com Fávio Novais, sendo ambos grandes faladores e cultuadores da língua africana de Patrocínio. A seguir, Cecílio presenteia o leitor “com mais algumas expressões e seus significados”.

“Rompendo Países” foi o subtítulo da coluna do Jornal de 12/07/2003. Recorda a visita dos pesquisadores da Unicamp em março de 1980, “ávidos por conhecer os hábitos, usos e costumes de uma região do interior mineiro em que a maioria dos cidadãos detinham ainda um linguajar remanescente do continente africano, desde os tempos do comércio de escravos. Reuniram um grupo de falantes, gravaram seus depoimentos e os incluíram num livro – “Cafundó…” – (…)”. Um grande sucesso editorial desse livro trouxe acaloradas discussões.

Ainda no rastro desse livro, informa Cecílio, chegaram, após telefonema de 03/07/2003, os pesquisadores Daniela Bassani Morais, acadêmica de letras da UFMG, Steven Byrd e Stan Byrd, americanos, estudantes da Universidade do Texas (EUA), começando a garimpagem à busca dos ilustres falantes da Calunga de Patrocínio. Acolhidos por todos os níveis da sociedade local, os pesquisadores continuarão suas visitas “pela cidade, até que sejam captados elementos substanciais para a elaboração de sua tese de mestrado que – é importante frisar – não visa cunho lucrativo”. Na sequência, Cecílio presenteou os leitores com “mais alguns vocábulos da calunga”.

O subtítulo “A Carta de Brasília” da coluna “A Calunga dos Cafundós” em 26.07.2003 serviu para Cecílio de Souza agradecer pelo livro “Comunidades Quilombolas” editado pela Fundação Palmares, que lhe fora presenteado por Joel de Carvalho, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Patrocínio. Cecílio destaca a Carta de Brasília, de 12 a 14 de dezembro de 2001 e, ao final, sobre a atual situação dos negros, o colunista malungo de Patrocínio, revela de forma ponderada, mas destemida, a sua posição quilombola “de que os descendentes de escravos vêm, sistematicamente, sendo usurpados em seus direitos à propriedade adquirida, há também uma tênue faísca sendo atritada por consciências laboriosas para que a realidade histórica desses nichos remanescentes persista, ampla e robusta, na direção do resgate da ética e da justiça dos homens”. Termina oferecendo ao leitor “mais alguns vocábulos da calunga”.

Ainda sob os aromas da reportagem anterior, Cecílio aborda o pensamento de Gilberto Freire, mostra uma fotografia tirada em 1875 de uma fazenda de Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, destacando “bem ao centro, a mãe-preta, ou ama de leite, com o rebento embolsado às costas” como premissa para desfechar o estreitamento de laços escrava-sinhô-filhos bastardos e as terras doadas que, ao final do inventário, frustram os testamentos, deixando sem-terras os herdeiros ex-escravos, etc. etc.

Ai, precisamos ficar atentos. A gênese da Pátria Mineira está nos anos setecentos e não no século XIX. A cidade de Patrocínio foi o último reduto dos quilombolas do Campo Grande, num Triângulo Mineiro habitado por paulistas, pertencente à Capitania de Goiás, tomado aos poucos, porém, pelos reinóis das Gerais até que, em 1818, oficializaram o esbulho.

Sobre a nossa miscigenação, como disse em recente carta ao confrade Syllas, presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, “a questão da negritude em Minas é COMPLETAMENTE diferente da mesma questão na Bahia. Essa conotação meramente libidinosa da relação dos primeiros mineiros com as negras é pouco expressiva. Em Minas, as negras não foram apenas amantes e amas ou mães de leite. Não. Foram mães mesmo, de corpo, alma e sangue; foram as nossas Sabinas, foram as progenitoras primeiras da etnia mineira”. Além disto, salvo melhor juízo, língua se aprende com a MÃE. Mãe de sangue, calungueira, como a língua de Patrocínio. Quiçá, mãe quilombola, pois Patrocínio foi o último reduto dos negros do Campo Grande que se miscigenaram com os índios do Pai-Pirá aldeados no Triângulo.

Quanto à questão da devolução das terras quilombolas, as ponderações de Cecílio feitas no artigo anterior são pertinentes. Recentes casos onde, a Fundação Palmares, com base em pareceres de estudiosos não-mineiros sobre mera demanda de terras configurada em inventários não resolvidos, sem abertura e sem consulta aos pesquisadores mineiros, argui o artigo 68 do ato das DCT da Constituição Federal de 1988, dizendo estar titulando terras quilombolas, devem preocupar a sociedade brasileira e acautelar os estudiosos mineiros.

Ora, pelos artigos 215 e 216 da Constituição Federal, os quilombos foram alçados à condição de Monumentos, os QUILOMBOLAS, considerados Heróis e, as manifestações da cultura negra, Bens Culturais Imateriais. Estes, SMJ, devem ser os pressupostos a nortearem a interpretação do artigo 68 do ato das DCT, isto, sob pena de que – dia menos dia – a Fundação Palmares, além de confundir a questão quilombola com a questão dos sem-terra, vai acabar por titular terras a descendentes de capitães do mato, atingindo, assim, intenção diametralmente oposta à intenção do Legislador Constitucional.

Na sequência, Cecílio, mais uma vez, premiou o leitor com “mais algumas palavras do léxico calunga e seus significados, segundo o livro cafundó”.

O Jornal de Patrocínio de 30/08/2003 homenageou o Dr. Gerson de Oliveira, o “nosso Freire”, segundo Cecílio. Ao final, presenteou o leitor com expressões compostas, da língua calunga.

Assim, nós, do site MG QUILOMBO, o Quilombo Minas Gerais, não podemos mais nos distanciar do malungo Cecílio de Souza. Pelo trabalho que há tantos anos vem fazendo pela cultura mineira, esse malungo tem, garantido, sempre que quiser, a sua injó em nosso quilombo. Estamos Pedindo ao malungo Jorge Lasmar que oficialize esse convite ao Cecílio e a todos os malungos calungueiros de Patrocínio-MG.

Para começar, publicamos em “anexo” um ainda perfunctório estudo comparativo da calunga de Patrocínio, com os termos parônimos e sinônimos encontrados no Dicionário Aurélio, bem como, com aqueles utilizados em nosso romance-histórico “SESMARIA – Cruzeiro, o Quilombo das Luzes” e no livro “Falares Africanos na Bahia”, da grande etnoliguista, Yeda Pessoa de Castro.

Clique aqui e copie em PDF a compilação comparativa dos vocábulos falados nos demais lugares referidos.

O Rei Ambrósio morreu em combate no Quilombo da Pernaíba (Norte de Patrocínio), a 7 de setembro de 1759. Confira as imagens cartográficas da localização desse Quilombo em Patrocínio

Somos mesmo BANTOS – Ver também que a própria Bahia está

DESFAZENDO O MITO DA PREDOMINÂNCIA E SUPREMACIA YORUBA-NAGÔ!

Tarcísio José Martins

12.10.2003.

[1] Se fez de morto, para que a torcida adversária, condoída, não trucidasse os torcedores e jogadores de seu time.